quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Lambaris, limões e Feliz Natal

No Natal de 1978 eu estava com dez anos e naquele ano compreendi a valorizar a simplicidade da data. Ou a simplicidade que devemos dar à festa. O exemplo recebi de outra pessoa, distante de mim e a qual jamais tive contato. Diria que amizade unilateral. No fina da década de 70, o cantor Moacyr Franco apresentava programa de humor e música na extinta TV Tupi. Ele reuniu sua equipe de produção e de palco para que seus integrantes relatassem o Natal mais marcante que vivenciaram.
Um deles contou do Natal em que sua mãe, que cuidou sozinha dos seis filhos (não lembro se era este o número da prole, mas era um contingente considerável), não estava em condições de presentear a todos, sequer de preparar uma ceia condizente à data. O integrante da produção do programa lembrou que ele e seus irmãos arregaçaram as mangas e se dividiram nas funções. Um grupo iria em busca de recursos para montar a ceia. Outro grupo se responsabilizaria pelo preparo dos pratos. Durante o dia, ele e dois irmãos cataram latinhas e garrafas encontradas nos lixos. Ao longo da caminhada, aproveitaram a disponibilidade de um limoeiro que, de braços (ou galhos) abertos, lhes oferecia fartos limões. Ao final do expediente, conseguiram valor suficiente para comprar apenas lambaris na peixaria do bairro. Retornaram à casa. A mãe, para surpresa dos filhos, fez das restrições uma ceia completa. Usou os lambaris para a ceia. Espremeu as frutas e delas fez a limonada para acompanhar o jantar. Do que sobrou dos limões, juntou à farinha e ao leite em casa para preparar a sobremesa, um bolo com cobertura de limão. E ele finalizou: "Ali aprendi que toda noite de Natal é feliz, não importa o que você tenha". Aquilo me marcou.
Para alguns, pode parecer conto piégas, lugar-comum. Para quem vai no âmago da sensibilidade, é possível compreender que a noite de Natal não precisa nem de frondosa ceia, nem da ostentação de presentes e sequer de histórias clássicas. Básico. Feliz Natal.

domingo, 20 de dezembro de 2015

CHEIRO DO FINAL DA NOITE

Garçons, músicos, seguranças, equipe de limpeza, taxistas, guardas, gerentes de restaurantes ou de casas noturnas. Sabem que a noite tem seu cheiro peculiar. E por que levantar a tese do aroma noturno? Só quem a aspirou durante a labuta, servindo aos notívagos terá a clareza de compreender o que escrevo. Escrevo durante a madrugada. Diante da tela, meramente lembro do odor. Nem bom, nem ruim. Marcante. Tem cheiro de quê? De mistura de bebidas confundidas com o frescor noturno. Envolvidas com o mofo dos estojos dos instrumentos musicais. Do velho caderninho que serve de repertório musical. Das garrafas abandonadas nos engradados nem sempre consumidas totalmente. Das fumaças dos cigarros. Das pontas dos cigarros jogadas ao chão. E das esquecidas no cinzeiro transbordante. Do dinheiro roto do bêbado para pagar aquela que virá antes da saideira. Do pano do vestido da meretriz que cola na pele suada e lambuzada de perfume. Do interior do táxi à espera de um afortunado para seguir viagem. O cheiro característico que me encontrava a cada final de baile. Não é dos melhores. Também não provoca náuseas. Faz bater saudades de que a noite é a melhor amiga, amante, fiel e companheira. E cúmplice. E se perde feito a meretriz que vai para casa contando os trocados, que cheiram a dinheiro velho misturado ao pior dos conhaques pagos por um cliente indeciso. O conhaque misturado ao perfume, ao suor, ao vestido encharcado. Odor que raros percebem em meio à multidão. Odor que os poucos levam às suas casas. Odor dos que servem à noite.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Machadinho desgostoso

Machadinho está inconsolável. Não vê mais razões para ter esperanças. O feitiço virou contra o feiticeiro. O duro golpe em quem queria dar o golpe. "O judiciário está corrompido, ultrapassado, míope", atesta. O mesmo judiciário que ele tanto bajulou, há alguns anos, quando o meritíssimo Barbosa se postou na vitrina da mídia. O que favorece aos olhos de Machadinho merece destaque. 
Solitário na imbecilidade, recorrer a escrever uma ou outra bobagem no espaço que lhe dão. Encontrou uma lacuna. Que virou coluna. Manda, isso mesmo, manda a presidenta abandonar o país. E, cretinamente, diz que "2016 já acabou, que já é pior que 2015". Quem Machadinho pensa que é? Ele imagina que o meu país é o curralzinho dele? Que a democracia deve se desintegrar ao bel prazer, aos caprichos daquele que ele venera? A minha democracia não se desmanchará feito o pó que teu ídolo aspira.
Machadinho se apega a versículos bíblicos para parecer religioso. E sua conduta preconceituosa o desmascara dos princípios cristãos. Contradiz-se. Porque Machadinho separa o joio do trigo. O superior do que considera inferior. Debruça-se com piadinhas de mau gosto para agradar o que está no topo. Vocifera com ódio e desdém aos que estão, hipoteticamente, abaixo da escala dele.
Machadinho sente-se o rei do balcão. Escuta, mas não ouve. Julga com ideias preconcebidas. Por muitas vezes Machadinho admitiu que teve vontade de esganar o casal que tentava definir o divórcio. Por muitas vezes disse que "toda a discussão era coisa de pobre". Que gostaria de "tirar a criança do pai e da mãe". Machadinho ceifa a justiça. Machadinho ceifa o que não lhe apetece. Machadinho quer golpear. Mas seus golpes são ínfimos, fracos, inúteis.

Relato de Natal

Crise. A pauta da mídia é crise. Comércio em baixa. Lojas às moscas. Véspera de Natal. Comércio apinhado de seres. Ruas infestadas. Congestionamento. Shoppings sufocados. Vendas em alta. Mídia vai teimar que menor em relação ao ano anterior. Vendas aumentam. Mídia vai insistir que maior em volume, menor em lucro. Consumidores se endividam. Por conta própria. Endividados, vão culpar a crise. Presentes, mimos, agrados. lembrancinhas. Tudo numa conta só. Explodem o crédito. E a culpa é da crise. É do governo. E as próprias finanças mal administradas? Consumidores desgovernados. Jantar. Troca de presentes. Falatório. Fofoca. Vida alheia. Feliz Natal. Sobremesa. Cafezinho. Falatório. Fofoca. A culpa é do governo. Dia seguinte. Natal. Almoço. "Quem deu o presente mais caro?". E Jesus? Quem? O aniversariante? Fofoca. Falatório. Em nome do menino Jesus. E planos para a virada do ano. Mas tem crise. Ninguém compra. Ninguém consome. Desemprego. Dívidas. E o consumismo ainda reina. Até o Dia de Reis. Desmonta pinheirinho. Retira guirlanda da porta. Encaixota papai noel decorativo. Crise. A culpa é do governo. Minha, não!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

VAI TER QUE ENGOLIR, MACHADINHO!

Machadinho acordou afoito, antes de se higienizar (que não é o seu forte mesmo) foi até o computador. Acendeu um cigarro e enquanto a máquina ligava, correu para a cozinha pegar o café requentado. Retornou para a frente do computador. Acessou os principais portais e fuçou os perfis alheios (principalmente dos "inimigos ideológicos"). Descrente do que viu e leu, reagiu com um forte tapa sobre a mesa do escritório. "Droga! Não acredito! Os pães com mortadela são piores que ratos. Quando você imagina que os exterminou, voltam mais fortes". Sua indignação aflora quando lê notícia da prisão de um "dos seus", lá de Minas Gerais. "Isso é conspiração. É armação da esquerda. Por que somente agora vieram com essa de 'mensalão tucano'"? Nem seus "filhos" - que é como trata seus cinco cães - foram poupados. "Saiam daqui, saiam. Tem ração para todos lá na cumbuca de vocês". Ao perceber o barulho vindo da cozinha, grita: "Mariaaaaaaaa, dona Mariaaaaaaa, me apronta o café!". A empregada responde: "O senhor quer acompanhado de quê?". Machadinho brada: "Tem queijo? Quero pão com queijo e margarina!". E ela; "Seu Machadinho, o queijo acabou, o jeito é pão com mortadela". O dia já se inicia contra desde o café da manhã para Machadinho. Ele vai ter que engolir essa também.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Lei para ser desobedecida em nome da cidadania

Deixo o meu recado: quando retornar ao ensino, se a escola me proibir, irei com os alunos para as ruas. E se for preso, a aula será na delegacia. E se eu for "reincidente", o serei com prazer. Prazer pela igualdade. Pode virar lei, em nome da educação irei infringi-la, sim!

http://portal.aprendiz.uol.com.br/2015/11/12/professor-que-discutir-genero-na-escola-podera-ser-preso/




quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Emudecer-se aos cretinos

O incansável crítico que despejava impropérios ao que o incomodava emudeceu. O atento observador das discrepâncias humanas e sociais cessou. O provocador que atraía polêmicas saiu de cena. O tão elogiado por opinar sem freio nas análises, resolveu dar um basta. Entende que ficar na frente de batalha como escudo aos covardes que conjugam da mesma opinião, mas que evitam melindres com os opositores, é proteger inimigos ocultos. 
O silêncio em nada representa omissão. É silêncio. É olhar a partir da própria quietude, controlada para não virar explosão de palavras ditas e escritas. É notar o quanto a polêmica em nada é exclusividade de quem magnetiza desafetos. Opinar causa estragos. Opinar não o estraga. Opinar com despreparados é intragável. Absorver aridez alheia é polemizar com a própria sanidade.
A palavra interrompida, a escrita amarrada e apenas o olhar atento desferem contra o revés de perceber opositores fantasiados de aliados. Que o chamam para conversar. Nunca para participar. O grau de qualidade de quem opina, pensa, interpreta e não mede letras é avaliado pelo quanto vale até não incomodar. 
Que o silêncio, a reclusão e a observância ensinem a ser menos tolo.